Como a pandemia atual “digitaliza” os rituais de morte

Uma breve pesquisa sobre como funerais, velórios, enterros e outros rituais de morte recebem novas significações e formatos devido ao Covid-19

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A gente não gosta de falar sobre morte geralmente, mas lamentavelmente o tema está sendo mais presente do que gostaríamos desde o início do COVID-19.

Você já parou para pensar que agora, mais do que nunca, a internet e as redes sociais fazem parte dos rituais de morte?

Com a proposta de ampliar os conhecimentos sobre diferentes culturas ao redor do mundo e trazer reflexões sobre nossas tradições sociais, eu fiz uma pesquisa sobre como os rituais criados há milênios estão sendo afetados pela pandemia e resolvi compartilhar isso tudo.

Devido às condições trazidas pelo Coronavírus, é impossível ter funerais e aglomerações atualmente e consequentemente as tradições e rituais de morte estão sendo modificados. E sim, a internet está sendo a responsável em trazer novos formatos de “formalização” do fim de vidas. É tudo muito triste e confuso ainda.

A importância do processo de despedida está presente no ensaio Luto e Melancolia, em que Sigmund Freud aponta as diferenças de dois sentimentos parecidos — melancolia, diz ele, é o luto não elaborado. A escolha da roupa para o sepultamento, a lavagem do corpo, o terço entre as mãos, a flor trazida de casa, as últimas palavras e gestos são passos que abrem caminho para a superação da perda. “A experiência plena da morte dá um novo significado à vida dos que ficam”, afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro, da Universidade de São Paulo. “Por causa da pandemia, o corpo não é exposto, e a família e os amigos não desencadeiam esse processo. Ao contrário, ele será descartado, como se fosse uma ameaça à vida.”

Em abril de 2020, o funeral de Pat McCan foi realizado em Melbourne east de uma forma totalmente online. Seus filhos legal a elogia. No local havia uma cantora e uma pessoa tocando um órgão. Lá estavam seus quatro filhos e seus parceiros, separados com espaçamento 2 metros uns dos outros. Um deles usava o Zoom para transmitir par o resto dos familiares, espalhados em outros lugares do mundo. Da igreja ao cemitério, o aplicativo de videoconferência, um celular e 4G acompanharam o ritual de passagem.

Uma das principais características de rituais sociais, tais como o funeral, é a expressão de condolência e acolhimento (através de toques físicos, como o abraço, palavras, músicas, objetos e gestos, além da presença de pessoas próximas). Rituais são construídos de trocas de valores comunicativos. Obviamente, parte dessa estrutura de rituais foi quebrada com a pandemia.

Rituais de morte pelo mundo — como era há milênios e como está agora com a crise do CoronaVirus?

Cada história social é recurso para a criação de um ritual de morte particular. O contexto social, étnico, religioso, geográfico por exemplo, podem ser elementos significativos para explicar formas de funerais criados por diferentes culturas.

Por exemplo, muitos povos africanos têm o costume de remover o cadáver através de um buraco na parede de sua casa e não através da porta quando morrem. Depois, geralmente o caminho até o cemitério é feito em zigue-zague. Esse ritual foi criado pois partem da ideia de que a vida não termina com a morte, e sim continua em outro plano.

Acreditando na mesma ideia sobre a continuação da vida fora do corpo, na Mongólia e no Tibete, muitos budistas Vajrayana têm rituais funerais onde cortam o corpo da pessoa falecida em pedaços e os coloca em uma montanha, desprotegido, para que ele possa se fundir aos elementos da natureza.

Budistas Vajrayana têm rituais funerais onde cortam o corpo da pessoa falecida em pedaços e os coloca em uma montanha

Essa é uma prática realizada há milhares de anos e cerca de 80% dos tibetanos ainda a escolhem.

Na Coréia do Sul, por causa da diminuição do espaço nos cemitérios, a cremação tornou-se muito popular, porém as famílias nem sempre optam por manter as cinzas. Em vez de armazenar as cinzas de seus parentes cremados em uma urna, os sul-coreanos optam por transformar os restos de entes queridos em pérolas brilhantes.

Em vários países a cremação se tornou uma opção durante a crise do CoronaVírus

Em Gana, entende-se que a morte é o início de uma nova vida e então fazem um ritual entusiasmado. Uma das características de funeral é a criação de caixões criativos, em formatos de animais e outras coisas inusitadas.

Em Gana, usa-e a criatividade para criar caixões em diferentes formatos e cores

Em Gana, usa-e a criatividade para criar caixões em diferentes formatos e cores

Mas e agora com a pandemia? São muitas mortes ao mesmo tempo, não pode ter aglomeração e a energia social está diferente! Já que as pessoas geralmente têm o enterro e o velório como uma representação do fim, como será nossa sociedade após esses rituais, impedidos pela pandemia?

Será que a pandemia está sendo tão forte ao ponto de interromper as características dos funerais em todas as culturas?

Nao tenho uma resposta profunda, ainda, até porque está tudo acontecendo agora, mas até o dia 18 de abril eu consegui coletar relatos e matérias que trazem alguns fatos que vou compartilhar a seguir:

  • Funerais sendo realizados em estacionamentos, com pessoas dentro do carro

Saiu no HuffPost Canadá que funerais durante a pandemia do coronavírus estão acontecendo em estacionamentos . Muitas cerimônias estão acontecendo também online e ajudando famílias. Os participantes foram de carro até a funerária, e escoltados pelo diretor, entraram um a um para prestar suas últimas homenagens. Depois, todos voltaram para seus carros e entraram no Zoom para assistir ao funeral pelo celular. No Canadá também existe comum a presença de uma “doula da morte”, uma profissional que é como uma cuidadora que ajuda seus clientes a lidarem com o processo do fim da vida.

  • Centenas de pessoas precisando entender como usar ferramentas digitais para participar de rituais de morte ao redor do mundo

Um relato de uma pessoa que enfrenta o luto, compartilhou no Facebook: “Estou furiosa porque esse coronavírus está impedindo que minha família se reúna para dizer adeus à minha tia da forma correta. É uma merda fazer o rosário pelo Zoom e não poder fazer um velório para ela.”

Outros relatos mostram a falta de intimidade de muitos perante video-conferências, por exemplo, quando contam que pessoas conectadas à uma transmissão coletiva deixavam o microfone ligado e, ao mesmo tempo em que se escutavam palavras relacionadas ao funeral, também era possível ouvir ruídos de cachorros e outras pessoas na casa. Isso nos leva a pensar se precisaremos trabalhar “etiquetas” para funerais digitais, para fazer com que a difícil experiência de um velório online seja menos difícil.

Comentários e lembranças podem ser compartilhados em memoriais online, bem como páginas do Facebook. Tal atitude também é nova para inúmeros usuários das redes sociais.

  • Padres e líderes religiosos se adaptam

No Brasil, grande parte dos cemitérios estão optando pelo enterro imediato, sem velório, executado por coveiros de máscara, luvas e macacão protetor. Os rituais de extrema-unção e encomenda do corpo deixaram de ser praticados, com a bênção da Arquidiocese de São Paulo. “Acreditamos na ressurreição das pessoas que estão com Deus, portanto a morte física não é definitiva. Passado este período difícil, as famílias poderão celebrar a memória dos que partiram”, justifica o padre Eliomar Ribeiro, pároco da Igreja de São Luís Gonzaga e diretor do Apostolado da Oração.

  • Debates sobre cremação e enterro na Índia e Sri Lanka

Sri Lanka e Índia têm passado por discussões que ultrapassam as tradições de religiões como o Islamismo e Hinduísmo. Os rituais de funeral estão sendo sucumbidos e os jornais locais trazem discussões sobre a controvérsias discutidas localmente a respeito da forma mais segura de se enterrar pessoas que contraíram o vírus. Não há uma conclusão nas discussões sobre a questão do que é mais seguro para a sociedade: cremar ou enterrar?

Cenas de um funeral Hindu tradicional

Cenas de um funeral muçulmano nas ruas

  • Cremação imediata na China

Na China, segundo informações do jornal IndiaToday, foi escolhido na maioria dos casos a cremação imediata após a morte, além da ausência dos familiares e ritos religiosos.

  • No Cemitério com Wifi

Na França, que é um dos maiores mercados funerários do mundo, os enterros também são a opção e seguem sem rituais religiosos e familiares acompanhados. Também acontecem o uso de ferramentas digitais para a comunicação dos familiares durante o período de luto.

  • Rituais Maori interrompidos

Na Nova Zelândia, os rituais Maoris sofreram também grandes impactos. Eles costumam ter cerca de rituais de 3 dias quando e centenas de pessoas participavam dos funerais, e agora também seguem a restrição de rituais sem aglomerações.

Cenas de um funeral maori tradicionalCenas de um funeral maori tradicional

Cenas de um funeral maori tradicional
Cenas de um funeral maori tradicional

  • Os famosos rituais de morte mexicanos também mudaram

No México, país conhecido por tratar a morte com uma visão positiva e celebrações cheias de cores, normalmente comem, bebem juntos, oram e recebem presentes durante o funeral que pode durar até 48 horas.

Lamentavelmente o COVID-19 também afetou a cultura local e os rituais de velório não estão acontecendo.

Cenas de um tradicional funeral mexicano, com cranios falsos, flores, velas e cores
Cenas de um funeral mexicano tradicional

Eu não sei bem como terminar esse texto. Ele não é necessariamente uma pesquisa etnográfica, jornalística ou acadêmica, é um conjunto de fragmentos de reflexões que se misturam à minha sensação de impotência perante à pandemia.

Fiquei muito mexida ao ver a força do COVID-19 perante esse aspecto social também. Eu, como jornalista, coloco minha primeira pessoa nesse texto para encerrá-lo sem uma conclusão decente mas com meu desejo que todos fiquem bem, em casa e saudáveis.

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